quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Um Exemplo de Vidui Positivo, inspirado nas lições de Rav Kook:

(Leia este artigo antes, para um pouco de contexto para o Vidui positivo)


Amamos, 

Brincamos, 

Cuidamos, 

Demos de nós mesmos, 

Esperamos com paciência, 

Fizemos o nosso dever, 

Ganhamos sem zombar, 

Honramos o  próximo, 

Influenciamos para o bem, 

Jogamos fora só o que não tinha mais uso, 

Limitamos nosso consumo,  

Melhoramos em tudo que conseguimos, 

Negociamos em boa fé, 

Observamos com cuidado antes de fazer, 

Protestamos conta injustiças,  

Quisemos o bem para o mundo, 

Reconhecemos os bons atos dos outros, 

Solicitamos ajuda quando precisamos, 

Tentamos com  afinco, 

Usamos nossos talentos só para o bem, 

Vislumbramos um futuro melhor, 

Xeretamos com respeito pela privacidade dos outros, 

Zangamo-nos sem perder o controle. 


Iom Kipur: uma oportunidade criativa para encontrarmos nosso passado e redefinirmos nosso futuro

Um novo olhar para Iom Kipur como oportunidade criativa

Os valores, narrativas e tradições de Rosh haShaná e de Iom Kipur estão profundamente relacionados ao conceito de t'shuvá, o processo de revisão das nossas condutas e de seus impactos que é sintetizado na palavra “retorno”. As Grandes Festas judaicas são uma oportunidade de reavaliação de onde estamos em relação à pessoa que gostaríamos de ser e de adoção de ações corretivas que retornem nossa rota de vida aonde gostaríamos que ela estivesse.

Talvez o momento da liturgia em que esse esforço se torna mais evidente é no Vidui, o momento da reza no qual confessamos nossas transgressões de forma pública e privada. As rubricas mais emblemáticas do Vidui são aquelas que elencam nossas transgressões em ordem alfabética, o “Ashamnu” e o “Al Chêt”, que parecem estar dizendo “de A a Z, nós erramos de todas as formas possíveis”. No contexto dessas rezas, t'shuvá quer dizer olhar para o passado com a coragem necessária para identificar nossos erros e assumir nossa responsabilidade por eles.

Recentemente, no entanto, entrei em contato com uma visão sobre t'shuvá que a coloca diretamente em diálogo com a criatividade. Interpretando uma lição do rabino do Gueto de Varsóvia, no qual ele dizia que a t'shuvá é também um processo de criação, o rabino Jan R. Uhrbach escreveu: 

T'shuvá é um tipo de criatividade. Como ato criativo, não é um simples retorno. T'shuvá é um retorno para frente, um retorno a algo que nunca existiu, um retorno a uma nova criação. Voltamos a quem sempre fomos e deveríamos ser, mas ainda não nos tornamos. Voltamos ao crescimento e à possibilidade que estavam adormecidos dentro de nós e ainda não floresceram, assim como uma escultura se esconde dentro de um bloco bruto de pedra. Esse é o sentido em que a t'shuvá é um ato criativo. É por isso que o processo de t'shuvá, por mais doloroso e até humilhante que seja, é de fato muito alegre e esperançoso. É um processo criativo no qual imitamos Deus e nos tornamos parceiros do Divino na obra da Criação. E o que estamos criando? Nós mesmos. [1]

Essa perspectiva, que busca identificar o que podemos nos tornar no futuro, complementa aquela que enxerga na t'shuvá um processo de análise de como fomos no passado. Assim, paradoxalmente, passado e futuro, se unem para voltarmos a ser quem ainda não fomos. Não olhamos apenas para o que deu errado no passado; nos permitimos sonhar e vislumbrar possibilidades que podemos atingir no futuro. O rabino Art Green, construindo sobre uma tradição rabínica que associa Iom Kipur com a data em que Moshé desceu do Monte Sinai carregando o segundo jogo de Tábuas do Pacto, interpreta Iom Kipur como a nossa oportunidade anual de definir os termos do nosso relacionamento com Deus: 

[Iom Kipur] é a época em que cada um de nós renegocia nossa aliança com Deus. Esculpimos nossas segundas tábuas, transformando a infinita demanda divina em uma com a qual estejamos preparados para viver. Este é o momento em que decidimos o que manteremos da tradição e o que deixaremos de lado por um tempo (sim, todos nós, mesmo os mais devotos, tomamos essas decisões), quais os principais presentes de caridade que daremos e quais adiaremos, que mitsvot faremos no reino humano e a quem estamos prontos para perdoar entre aqueles que nos fizeram mal. Não é só Deus quem toma as principais decisões nesta estação do ano. Deus pode decidir se viveremos, mas temos que decidir como viveremos a vida que nos é dada.

Os Iamim Noraim pareciam, inicialmente, pedir a admissão de nossa impotência. Ao enfrentarmos a mortalidade e a fragilidade humana, todas as nossas ilusões de poder e controle se afastam de nós. Mas aqui vemos um Iom Kipur que é sobre o poder humano, nosso poder de nos refazer renovando nossas vidas e nossa aliança com o Eterno. [2]

Na tradição, Iom Kipur é apontado como um dos dois dias mais felizes do ano [3]: o que poderia trazer mais felicidade do que a oportunidade de imaginar possibilidades futuras e caminhos para torná-las realidade?!

E na prática, o que podemos fazer?

Este processo de t'shuvá reconsiderada, abre a possibilidade de apontarmos também para os acertos do passado, da mesma forma que fazemos para os equívocos. Assim, as últimas décadas têm visto o florescer de listas lidas em Iom Kipur como parte do Vidui, que enumeram o que fizemos de melhor no ano que se encerrou, também em ordem alfabética, como se dissessem “de A a Z, nos esforçamos de todas as formas possíveis e muitas vezes acertamos no que empreendemos.” Essas listas, baseadas em um ensinamento do Rav Avraham Itschac Kook de que “assim como há um grande benefício na correção da alma na confissão das transgressões, também há um grande benefício que (…) [aconteça] o reconhecimento das boas ações que fizemos”, apresentam um ponto de partida para que cada um de nós possa preparar sua própria relação de acertos, mesmo que não chegue a todas as letras do alfabeto. Uma dessas sugestões encontra-se aqui.

Que seja um jejum tranquilo, que este seja um momento de transformação pessoal e de encontro com quem sempre soubemos que podemos ser.

[1] Dov Peretz Elkins, Rosh Hashanah Readings: Inspiration, Information and Contemplation, Jewish Lights Publishing: Vermont, 2006, pg. 5-6. [2] Art Green, “Prefácio: Nossos Dias de Espanto – Alguns Pensamentos sobre a Época”, in S. Y. Agnon, Days of Awe: A Treasury of Jewish Wisdom for Reflection, Repentance, and the Renewal on the High Holy Days, Schoken Books: New York, 1995. pgs. xiii-xviii [3] Mishná Taanit 4:8