(originalmente publicado em https://cip.org.br/livrodememorias2021-2/)
Nas últimas semanas, descobri uma nova melodia para o Salmo 147, que passamos a cantar no Shacharit de Shabat [1]. Suas palavras, que estão nos versículos 3 e 4 do Salmo, afirmam sobre Deus: “Cura as pessoas com o coração partido e trata das suas tristezas; determina o número das estrelas e dá nome a cada uma delas.”
Toda vez que cantamos esta melodia, eu fico maravilhado com a doçura de suas palavras, do carinho implícito na visão do Divino que acolhe especialmente as pessoas sofrendo e enxerga tanto o grande esquema do universo (quando conta as estrelas) quanto reconhece a individualidade de cada um (quando lhes dá nomes).
Neste ano, em que perdemos tantas pessoas queridas e no qual nosso país sofreu tanto, tivemos o desafio de aprender com a conduta Divina: ao endereçarmos a macro-perspectiva, reconhecemos a dor coletiva e a responsabilidade de fazermos parte de uma comunidade e de uma sociedade que estão, de forma coletiva, em luto; ao mesmo tempo em que, cada um na sua realidade individual, sofre pela perda de pessoas próximas, cujo vazio nos fala especialmente alto. O desafio é estarmos simultaneamente presentes para o nosso próprio sofrimento e o da nossa casa, da nossa rua, da cidade e de todo o mundo.
No Izcór, realizamos um movimento similar: ao fazermos esta reza em comunidade, afirmamos nosso pertencimento e expressamos empatia para com as pessoas com quem rezamos (mesmo que, neste ano, não possamos vê-las); criamos memórias coletivas e homenageamos pessoas com quem, muitas vezes, não convivemos. Além de um momento comunitário, o Izcór é também uma parte profundamente pessoal do serviço religioso, no qual revisitamos a dor pelas pessoas que perdemos no último ano ou antes disso, honramos sua memória e expressamos a saudade que sentimos.
Nosso apoio mútuo e a forma como conduzimos nossas vidas são as melhores formas de honrarmos as memórias pessoais e coletivas que trazemos à tona no Izcór. O legado vivo das pessoas que mais amamos se dá através dos valores que elas puderam nos transmitir e pelos quais elas continuam entrelaçadas à corrente da vida.
[1] A melodia que temos cantado, de autoria do rabino Shiar Yaakov, pode ser encontrada aqui: https://www.youtube.com/watch?v=AyyUR2K29BM